quarta-feira, 20 de março de 2013

A ilusão de validade das ideias de Vítor Gaspar
(Vítor Gaspar, um caso psicológico — 1)

Em Pensar, Depressa e Devagar, Daniel Kahneman, o psicólogo laureado com o Prémio Nobel da Economia a que me referi noutro post, descreve (pp. 278–279) a sua experiência como recém-licenciado no Exército de Israel, onde tinha como incumbência avaliar psicologicamente os recrutas com vista a decidir quais tinham o perfil de liderança que os tornava aptos para a escola de oficiais. Vítor Gaspar diria que os resultados de Kahneman e a sua equipa eram «um desapontamento»:

A evidência de que não conseguiríamos prever o sucesso [dos cadetes] com exatidão era esmagadora. [...] A história era sempre a mesma: a nossa capacidade de prever o desempenho na escola era negligenciável. As nossas previsões eram melhores do que apostas ao calhas, mas pouco melhores.
Ficávamos abatidos durante algum tempo, depois de recebermos as desencorajantes novidades [das notas realmente obtidas pelos candidatos após meses de formação para oficiais]. [...]

Mas o pior não era o baixo poder de previsão de Kahneman e dos seus colegas — era a sua inabalável persistência no erro:

[...] Mas era o exército. Úteis ou não, havia uma rotina a ser seguida e ordens para cumprir. [...] A frustrante verdade acerca da qualidade das nossas previsões não tinha qualquer efeito sobre a forma como avaliávamos candidatos [posteriores] e muito pouco efeito na confiança que sentíamos nos nossos juízos e previsões sobre os indivíduos.
O que acontecia era notável. A evidência global dos nossos fracassos prévios deveria ter abalado a nossa confiança nos nossos juízos sobre os candidatos, mas isso não aconteceu. Deveria ter-nos levado a moderar as nossas previsões, mas isso não aconteceu. Sabíamos, em termos gerais, que as nossas previsões eram pouco melhores do que palpites aleatórios, mas continuávamos a sentir e a agir como se cada uma das nossas previsões fosse válida. [...] cunhei um termo para a nossa experiência: a ilusão da validade.
Descobrira a minha primeira ilusão cognitiva.

Mutatis mutandis, temos o diagnóstico de Vítor Gaspar feito.

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