sábado, 9 de março de 2013

Polícia bom, polícia mau (versão político-económica)

Polícia bom, polícia mau. Ilustração de James Raynes

Uma das melhores maneiras de “quebrar” a resistência de um suspeito não cooperante, a crer nos filmes de Hollywood, é aplicar-lhe a técnica conhecida como «Good cop, bad cop»: um agente ameaça moer o suspeito de pancada, enquanto um outro lhe apresenta uma “face humana”, estendendo a mão amiga (ou pelo menos compreensiva) que traz promessas de redenção. A “face humana” é uma máscara e a redenção nunca chega, mas a farsa dá os seus frutos: a esquizofrenia da situação faz desabar as defesas psicológicas do facínora.

Para um governo política e economicamente esquizofrénico e alienado, nada melhor do que adoptar e adaptar semelhante técnica. Foi precisamente o que o primeiríssimo-ministro Vítor Gaspar pensou — e, se bem o pensou, melhor o fez, com um toque pessoal: em vez de polícias, economistas; e em alternativa ao binómio «bom/mau», tivemos direito a «mau/pior».

Para o papel de economista mau, Gaspar escalou-se a si próprio: tem tudo o que se pede para corporizar fielmente semelhante personagem — do carisma ao acerto das previsões macroeconómicas.

Para o papel de economista pior, arremessou-nos António Borges. O papel deste como assessor está agora claro: conceder, por comparação com as suas intervenções, uma ilusão de bondade relativa às ruinosas políticas do Governo.


P.S. O dogmatismo ideológico* é uma besta indomável: por vezes furta-se à vontade do dono, forçando-lhe a boca a fugir para a verdade. Para António Borges, a baixa de salários, incluindo o minúsculo salário mínimo, não é um mal (temporária e circunstancialmente) necessário — é «o ideal». (Ou será «o Ideal»?)


* Uma das manifestações deste dogmatismo é a ideia nunca verificada de que a baixa dos custos do trabalho (seja pela redução directa dos salários, seja pela diminuição dos custos associados, como a TSU paga pelas empresas) potencia a criação de emprego. Num interessante vídeo (5 min.), o milionário Nick Hanauer desfaz esta ideia, defendendo que o que cria empregos é a necessidade de as empresas satisfazerem as solicitações dos seus clientes. Ora, a esmagadora maioria dos consumidores são trabalhadores por conta de outrem — se os salários baixam, baixa também o poder de compra, logo, a capacidade de consumir e a necessidade de trabalhadores que forneçam os bens e serviços que as empresas têm para vender.

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